Bem, meu nome é Ricardo. Mas meus amigos me chamam de Lauri. Se tem uma coisa que aprendi nestes anos doidos de fobia de avião e de voar é que o medo compartilhado nos aproxima, cria empatia, causa essa sensação de pertencimento. Ou seja, é como se disséssemos, EU NÃO SOU ESTOU SOZINHO! NÃO SOU LOUCO. TEM MAIS GENTE ASSIM.
Como tudo começou?
A verdade é que sempre achei aviões máquinas malucas e uma audácia tremenda do Homem ter inventado essa máquina.
Todas vezes que peguei um voo, na hora da decolagem, pensava "Como o Homem é um bicho audacioso! Nasceu sem asas e quer voar!"
Meu primeiro voo, doméstico mesmo, para a cidade de Gramado, foi tranquilo. Confesso que achei estranho estar pisando num solo que estava suspenso no ar. Tinha um receio. Talvez um medinho pequeno. Mas nada limitante.
Aquele dia.
O dia 'D" pra mim foi em uma viagem para o Uruguai. Era dia de abertura de jogo da Copa do Mundo. Estreia do time brasileiro e fomos num voo comemorar um 12 de junho.
A viagem, foi uma surpresa pra mim. Até o último minuto eu não sabia aonde iríamos passar aquele final de semana. Sabia que não precisava de passaporte, então, deveria ser algo pela América Latina.
Já dentro do avião anunciaram o destino. Achei bacana, pois de América Latina, só os hermanos argentinos.
Levantamos voo em uma aeronave da à aquela época, TAM. A aeronave estava vazia. Confesso que não fiquei com medo. Estava excitado com a ideia de conhecer um país novo. O avião levantou voo, com aquelas poucas pessoas. Seria muito dizer que éramos 50. Espalhados e intercalados nos bancos, todos pareciam confortáveis.
Apertem os cintos!
Naquele momento, o comandante, carioca, deu aviso diferente do que eu estava habituado a ouvir. Ao invés de dizer "Atenção, mantenham os cintos afivelados pois vamos passar uma turbulência", ele disse:
"Atenção, mantenham os cintos afivelados pois vamos passar uma ZONA DE INSTABILIDADE".
Lembro que de cara pensei. "Ué, porque falar instabilidade? Tem algo errado?" Foi então que olhei para as janelas do avião (sempre preferi os assentos de corredor pois têm mais espaço para as pernas e ficamos menos 'presos' por outros passageiros") e, pelas janelas víamos um tempestade lá fora. Nuvens carregadas e relâmpagos que para mim mais pareciam raios jogados por Zeus dada a audácia do homem em voar.
Foi então que num rompante o avião teve uma "queda" do que me parecia ser de uns bons metros. Assustei e segurei na poltrona numa atitude automática. Olhei ao redor e parecia que todos sentiram igual. Mal passaram-se dois segundos, e o ar ainda estava preso no peito quando houve uma nova queda. Desta vez muitos gritaram, inclusive eu:
- AVE MARIA!
Uma moça logo atrás de mim gritou:
- JESUS!
Imagino que nas poltronas a seguir gritaram por Jeová, Alá e sabe lá o que mais.
Brincadeiras a parte, numa fração de segundos lembrei que a mulher atrás de mim (a mesma que gritara) estava com um bebê de colo.
- Poxa, isso não é justo. É um bebê que vai morrer aqui, pensei.
Logo em seguida pensei: "Bem, é nessa hora que passa o filme de nossas vidas em uma tela mental. Agradecemos a oportunidade de ter vivido e partimos".
-"NÃO! Eu não quero morrer! Tenho tanta coisa para fazer. Séries para ver, livros para ler. Guardei dinheiro, me privando de coisas e não usei. Não é justo. Não quero morrer", mais uma vez pensei - vocês vão ver que é mais eu faço - PENSAR - e desatei a chorar discretamente.
Um homem, adulto, grandão, chorando? Eu não queria nem saber. Estava com medo. Medo de voar. Medo do avião. Medo de morrer.
O avião foi chacoalhando por mais uns 20 minutos (ou será que foram 2? para mim pareciam horas!), até preparar para pouso e, só aí, ele estabilizou.
Petrificado, demorei para sair do avião e pensei em falar com o motorista. Motorista pois, pra mim, aquilo foi barberagem. O que esse piloto fez? Não podia desviar da INSTABILIDADE? Porque não? Pra economizar combustível? Ganhar uns míseros trocados de bônus pela economia à empresa aérea? Moço, minha vida não vale essa economia.
Acabei descendo do avião e, quando estava na escada rolante, vi a equipe de comissaria e o piloto siando. Esperei aos pés da escada para falar com ele. E disse:
- Moço, com licença. Eu sempre tive medo de avião. Mas dessa vez foi pavor. O que foi aquilo lá em cima?
E ele:
- Aquilo o quê?
- Aquela queda abrupta!!!
- Não teve queda nenhuma.
- Que seja, mas aquilo que aconteceu. O que foi?
- Não se preocupe. Balança, MAS NÃO CAI.
Deu de ombros e foi embora. Certo. Eu sei. Balança mas é difícil cair. Eu sei, os aviões não estão no nada, estão em estradas invisíveis que as leis da física explicam, as correntes de ar e blabláblá (confesso, só soube porque uma vez no hotel fui pesquisar como é que aviões faziam para voar e encontrei essa explicação da Revista Super Interessante).
Acontece que nos últimos meses tinham acontecido dois ou três acidentes. Um avião sumiu no mar, O outro era aquele do Eduardo Campos, tinha o da TAM em Congonhas, sou péssimo com datas. Mas a minha SENSAÇÃO, era que foram próximos. E aquele piloto vinha me dizer que balançava mas não caía? Caia sim!!
Para piorar meu medo pegamos um motorista (desta vez de carros) doido, que dirigia a milhão pela rambla, com toda aquela água por perto. Pra mim teríamos um acidente e seríamos atirados na água. Ou viria um Tsunami.
A volta
Nos próximos dois dias eu não aproveitei quase nada a viagem pois só pensava na volta. Dizia que voltaria de busão em vários dias. Mas, acabei cedendo. No avião de volta entrei na cabine e me lembrei de algo que tinha lido em minhas pesquisas no hotel. Diziam que os comissários estão preparados para pessoas com medo de avião. Que era só falar com eles que eles ajudariam.
Foi o que fiz:
-Moço, sabe, meu voo de vinda foi horrível. Esse voo de volta vai não vai cair né?
E ele respondeu:
- Depende! Você está de bem com Deus?
Fiquei pasmo. Sentei na poltrona e tentei estabelecer um diálogo mental com Deus.
Minha vontade foi denunciar, brigar pelo comportamento dele. Mas segurei a onda por ter ficado com medo de isso desagradar a Deus e, você sabe... se eu não estivesse de bem....
Time de futebol
Já no ar, eu estava congelado. Não mexia um músculo. Me irritava com tentava puxar papo. Queria ficar sem fazer qualquer movimento que pudesse desestabilizar o avião. Pensava se eu tinhya engordado na viagem e o sobrepeso poderia ser um problema (nota: não. não é. o combustível é colocado já pensando no peso dos passageiros, das malas. é colocado na hora próxima da partida), pensava também como é que as pessoas faziam para ficarem calmas.
Ler era impossível. O máximo que consegui foi ler o cartão de instruções de emergência em caso de problemas.
Ao meu lado, atletas que pareciam ser jogadores de um time de futebol uruguaio conversavam como se estivessem na sala de estar da mãe Joana (mãe joana é aquela expressão que quer dizer: que p@%a é essa!). Um deles estava sentado no braço do banco do passageiro ao meu lado. Rindo, falando alto. O avião fez um movimento que, aparentemente, ninguém percebeu. Mas eu percebi!
Será que sou iluminado? Percebi antes de todo mundo? Qual é meu papel? Devo avisar todo mundo que vai cair? Senta porque deu uma trepidada? Tá dizem que essas turbulências são como buracos numa estrada de asfalto. Mas e daí? Aquele leve chacoalhão parecia o prenúncio do fim.
Passei a me irritar com aquelas pessoas se divertindo alheias aos perigos do avião. Me irritei mais ainda vendo que tinha gente que não tinha colocado o celular no modo avião (nota: aparentemente não há problemas em manter o aparelho ligado. A maioria das empresas nem manda mais desligar. Apenas colocar em modo avião, ou nem isso mas, eu vou continuar desligando! Arriscar pra quê?).
O avião pousou e, dei graças a Deus! Pensei:
-NUNCA MAIS! Não entro num negócio desses jamais na vida.
E, ops! Lembrei que eu ainda tinha duas viagens compradas dali pra frente. E, dessa vez, muito longas. Uma de final de ano para Londres (onde mora uma 'irmã' minha há anos eu nunca tinha visitado pois, mesmo antes, me assustava a ideia de cruzar o oceano) e outra viagem em fevereiro do ano seguinte. Para o Marrocos, de Air France.
Era hora de desistir ou procurar um tratamento?
Veja, no próximo post: meu primeiro tratamento.
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